sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

lgº da cruz de celas, nº 8

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Ena! Levantou-se de repente e foi buscar um guardanapo para limpar a água que lhe saía pela boca. Sonhara acordado. Sonhara com ela. Tinha-lhe saudades, abençoada mulher, a Alzira, que lhe provocava uma rijeza nas partes pudibundas como nunca nenhuma o fizera antes. Logo, à noitinha, já estaria a comer e a beber do melhor. Mais tarde consolaria o corpinho.
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Espreitou a janela e Monção acordara com um maldito nevoeiro que lhe chegava aos ossos. Algumas pessoas já atravessavam a praça – lembrou-se então que era dia de feira. Ia lavar-se e fazer a barba, para se pôr a caminho que o trabalho de travelling salesman não dava para descansar. Nunca chegou a saber, mas décadas depois a sua profissão fora praticamente extinta, o lugar de caixeiro-viajante era substituído por promotores, por catálogos e por vendas on-line.
O pão estava como ele gostava – tostadinho. Marmelada, manteiga… c’um caraças, tanta mordomia. Ontem tivera que lhe zupar, já andava há muito a arrebitar cachimbo. Levou duas lamparinas que até andou de lado. Afinal tinha valido a pena. O pequeno almoço estava como nunca. Uma vez até teve que lhe bater no dia de Páscoa, mas ela pediu, carago! – Só devo voltar lá para o fim de mês, ouviste?
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Quando chegou ao Porto, foi aos Correios ao pé da Câmara e telefonou.
- a dona Alzira está?
- quem fala?
- daqui é o homem das batatas.
Ó Zé, Zééé, a dona Alzira está? – mas que canseira para o Zé, ter que responder. Mais parecia um alentejano com tamanha preguiça, apesar de ser um beirão de gema. Mais tarde deveria distinguir-se em psiquiatria, especialidade que, segundo ele, só dava trabalho a nível do intelecto, logo teria pouco que se mexer.
- parece que foi ao talho. um momento. está a chegar alguém
Já lhe ouvia a respiração ofegante. Imaginou logo aquelas coxas no meio das meias pretas, enfeitadas pelo ligueiro de rendas, que lhe oferecera. Já meio excitado, limpou a pedra do anel do mindinho (já não era espelhada como outrora). Ela deveria estar a levar as compras para a cozinha. Esperou enquanto aproveitava para limpar a cera acumulada no ouvido.
- estou sim?
- Alzira, minha flor. hoje vou aquecer-te os pés – disse dengoso.
- ai és tu, Silva?!
Foi breve a conversa. As chamadas eram caríssimas e contadas por períodos.

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A dona Alzira tinha um casarão, no centro de Coimbra, herança dos pais há muito falecidos. Não casara. Dizia que não estava para aturar homens, mas a realidade é que tinha sido enganada por um doutor. Desflorou-a prometendo aliança no dedo, mas quando acabou a formatura, foi-se para a capital deixando-a de rastos. Começou a alugar quartos aos estudantes pois tinha o privilégio da casa ficar perto das faculdades.
Um dia, bateu-lhe à porta um caixeiro-viajante a perguntar onde ficava a rua Nicolau Chanterenne. Era um daqueles dias de Verão, em que Coimbra fica irrespirável. O desgraçado tinha a camisa colada ao corpo. Ofereceu-lhe um copo de água fresca. A casa estava vazia do tumulto estudantil. Todos tinham partido para férias. Disse-lhe para entrar e sentar-se na sala
Ele sentou-se no sofá.
Mais tarde deitou-se na cama
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A pensão Flor de Coimbra perdera um cliente.

1 comentário:

Blimunda disse...

Eu já li isto antes, não li?